O Senhor Presidente


 "Sobre homens caçadores de homens, posso assentar o meu governo. Não haverá a verdadeira morte nem a verdadeira vida." São as palavras do Deus Maia da guerra e sacrifício Tohil, encontradas em uma visão de um dos personagens, que melhor sintetizam a obra. Aqui os ritualistas propõe mediante a devolução do fogo aos humanos, sacrifícios e uma guerra eterna.

Em 'O Senhor Presidente' somos lançados num mundo de pesadelo onde vidas podem ser interrompidas a qualquer momento, pelo simples fato de estarem no lugar errado na hora errada. A grande variedade de personagens que dão vida e cor à esse país fictício, estão fadados a serem aprisionados, torturados, executados pelo simples capricho do destino, não sendo poupados nem pela hierarquia social: criaturas do alto escalão e favoritos do governo, são descartados e substituídos num clima recorrente de paranoia absoluta e traição, uma verdadeira dança pelo poder. Enquanto isso nos bastidores, se assoma a presença absoluta do Presidente, entidade com ares divinos à que tudo converge e que conecta os fios dos destinos dos personagens como um mestre titereiro.

Clássico Guatemalteco do ganhador do Nobel, 'El Señor Presidente' não é uma obra apenas sobre a Guatemala, mas um arquétipo da América Latina, uma representação das diversas ditaduras com que o continente sofreu, o abuso constante das classes dominantes contra oprimidos que não tem a quem recorrer e cujas vidas estão a mercê do acaso. Mesmo lançada em meados do século XX, antes do boom do Realismo Fantástico, essa obra já trazia em si uma amostra do que seria a literatura latino americana nas décadas seguintes. Com estilo até hoje original, uma espécie de surrealismo e absurdo substituem o fantástico de Gabriel García Márquez e a raiva e indignação dividem espaço com o cenário mágico das Américas.

Ecoando as palavras do deus Maia, a América parece sofrer de uma maldição como se, alguns dizem, "fosse fundada sobre cemitério indígena", onde os personagens vivem numa eterna guerra de uns contra os outros. Da mesma forma que os maias ansiavam pelo fogo, nós ansiamos pela bondade e justiça em meio ao caos, uma esperança de algo de bom pode ser extraído das trevas. Tristeza, dor e muita esperança são marcas registradas da nossa literatura e aqui não é diferente, uma obra poética e dura como a arte deve ser.


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