Correio Noturno
Quantas palavras engasgadas não ficam por serem ditas e quantos olhares ou toques se perdem nas areias do passado sem nunca nos abandonar completamente. Muita dor e injustiça acontece nesse mundo e a ferida que essas perdas causam nunca se cicatrizam na lembrança dos injuriados.
A libanesa Hoda Barakat, escreve sobre a perda e a memória num livro de estrutura simples, mas com proposta interessante. Em Correio Noturno acompanhamos cinco cartas que foram escritas, porém nunca foram enviadas. Cartas escritas por pessoas que a vida “quebrou” de alguma forma, pessoas que perderam o lar, os laços sociais e a inocência! São confissões de uma existência de dor, um último grito de angústia, uma tentativa final de botar para fora o que precisa ser dito e resolver questões em aberto, que só existem na forma da saudade.
Se no maravilhoso ‘Doze Contos Peregrinos’, a Europa é onde Gabriel Garcia
Marquez exila seus personagens separados de seu lar por todo um oceano, é a
mesma Europa que Hoda Barakat oferece de refúgio aos seus, mas que cuja pátria
deixou de existir. Ambientado em algum lugar do Oriente Médio o livro não versa
sobre a região em si, mas sobre os refugiados que ela produz. Não espere
encontrar arquétipos regionais ou sociais e sim o lamento de pessoas comuns (um
filho, uma mãe, uma amante, etc...) que perderam tudo. É um livro simples e
rápido de se ler, mas que carrega uma grande carga dramática, onde o maior
legado que resta aos personagens é uma saudade palpável e doída de um mundo que
não existe mais, um mundo que de uma hora para outra vira do avesso deixando os
seus sobreviventes abandonados e a mercê do acaso.
‘Correio Noturno’ cabe naquela mesma estante suja e pessimista onde estão seus
Dostoievski, Roth, Céline, entre outros, não é apenas aquele tipo de livro para
nos fazer lembrar da inclemência do destino e da dor dos outros, mas é um livro
muito pessoal. No breve período que nos é destinado a viver, centenas são os
acontecimentos que ficam engasgados e os desencontros que nos marcam para
sempre, um olhar que você não mais contemplará ou um abraço a ser dado podem
nos atormentar para sempre e só encontrarem um significado nas cartas nunca
escritas!
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